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O ateu é o novo nazista

O papa Bento XVI, em visita à Grã-Bretanha, pronunciou-se nesta quinta-feira diante da rainha Elizabeth. Em seu discurso o sumo pontífice relacionou a “tirania nazista que queria erradicar Deus da sociedade” ao ateísmo.

“…podemos lembrar como a Bretanha e seus líderes se mantiveram contra uma tirania nazista que tentou erradicar Deus da sociedade e negou nossa humanidade comum a muitos, especialmente os judeus, que seriam indignos de viverem”, disse o santíssimo padre alemão que engrossou as fileiras da Juventude Hitlerista quando adolescente.

Sua santidade continuou: “Ao refletirmos sobre as lições deixadas pelo extremismo ateísta do século 20, nunca nos deixemos esquecer de como a exclusão de Deus, religião e virtude da vida pública leva em última instância a uma visão truncada do homem e da sociedade, e portanto uma visão reducionista de uma pessoa e seu destino.”

Se as palavras do papa consubstanciam a voz do catolicismo apostólico romano, para o Vaticano, então, a barbárie nazista foi motivada pelo ateísmo, e a descrença em Deus leva o ateu a uma “visão reducionista” do homem enquanto ser social.

Tudo isso dito pelo máximo representante de uma igreja cujos líderes à época da Segunda Guerra, Achille Ratti e Eugenio Pacelli, se envolveram com o nazi-fascismo a ponto de reconhecer o regime de Mussolini (Pio XI) e silenciar diante do massacre da SS nas Fossas Ardeatinas (Nem-Um-Pio XII).

Herr Ratzinger cita uma visão ateísta reducionista, mas a eminência de uma entidade política que usa a fé como moeda de troca para a salvação de seus seguidores (2.826 no twitter oficial do Vaticano em português… 140 caracteres seriam suficientes para denunciar padres pedófilos?) e conquista de poder ignora, deliberadamente, que ao ateísmo não podem ser imputados fatos históricos como a Inquisição e as Cruzadas. Mais reducionismo, impossível.


e fevereiro que não chega logo…

A estranheza do olhar antropológico estrangeiro diante do carnaval carioca

A sociedade brasileira é extremamente influenciada pela igreja católica e seus preceitos. Tal influência é notada na relação pessoal que os devotos têm com os santos – são prometidos três pulinhos a são Longuinho (apelido “carinhoso” para Longino, aproximando-se o que é longínquo) caso um objeto desaparecido seja encontrado; põe-se uma imagem de sto. Antônio de ponta cabeça, e dessa posição só é retirada caso a moçoila arranje casamento – e, mais acentuada e contraditoriamente, na forma como se relaciona com o período anterior à quaresma, época de privações do calendário católico: o carnaval.

É a mistura do sagrado e do profano. O período do carnaval, o “adeus à carne”, é marcado justamente pela prática do que será condenado pela igreja após a quarta-feira de cinzas. Em observância aos preceitos cristãos, mulheres seminuas cobrem-se com tapas-sexo, ou nem isso; consome-se muito álcool, e embriagados pela substância e pelo ritmo do samba – música contagiante e sensual – seus participantes dançam em coreografias sugestivas; conceitos morais como o casamento, castidade, pudicícia são momentaneamente (?) esquecidos, afinal, é carnaval, e “tudo é permitido”.

Nesse tempo de farra liberada e legitimada pela tradição eclesiástica, contudo, há restrições. “Se beber, não dirija”, recomendam as autoridades de trânsito, de olho nos acidentes que aumentam significativamente em número durante a farra de Momo. “Use camisinha”, pregam os agentes de saúde pública, preocupados com as DST’s que oneram os cofres públicos. Em contradição, a igreja condena o uso do preservativo e o sexo antes do casamento…

Diante de uma mulata estonteante, passista do Salgueiro e de parar o trânsito (“Se beber não dirija: não corra o risco de atropelar essa obra divina…”) o nativo católico tupiniquim se vê numa encruzilhada moral e religiosa. Desfrutar dos prazeres da carne, ou ser um bom cristão?

No Brasil o cânone é relativizado, e o bom malandro sempre dá um jeito de conseguir o que quer. A solução se apresenta no meio termo entre cair por completo na farra e ir à missa não só na quaresma como na quarta-feira de cinzas e o período que a antecede. Parece slogan publicitário, mas condensa as mensagens que tratam da postura que se espera do folião em meio às premissas conflitantes – não prove; prove, mas não saboreie; saboreie, mas não engula; engula, mas não se esqueça de agradecer a deus pelo que come… -: “Aprecie com moderação”.